- HUGO SABATINO
MÉDICO, PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE TOCOGINECOLOGIA FCM - UNICAMP - VERÔNICA SABATINO
ARQUITETA, ALUNA DE PÓS GRADUAÇÃO DA UNICAMP - Contato: sabatino@caism.unicamp.br
1 - INTRODUÇÃO: A prática da obstetrícia (atenção de casais grávidos), requer a participação da ciência (para realizar diagnóstico correto) e da arte (para realizar tratamento adequado). Por este motivo é pertinente a observação do famoso historiador Auguste Comte, que diz: "Não se deve praticar uma ciência a menos que se conheça sua historia". Tratar de conhecer as formas do nascer através da História, permite-nos percorrer caminhos com grandes avanços e alguns retrocessos, quando consideramos resultados de estatísticas vitais (hoje morrem significativamente menos mulheres e recém-nascidos que na Antigüidade); porém existem na atualidade importantes diferenças regionais (culturais) em países com economias menos favorecidas, onde ainda persistem retrocessos não solucionados. Segundo informação de Chuck Raasch (analista político do GNS/USA Today). Uma mulher na Nigéria possui a probabilidade 600 vezes maior de morrer durante o parto do que outra na Suécia. Na América Latina, países com menos poder econômico como Cuba apresentam três vezes e meio (3,5) menos mortes maternas e três vezes (3,0) menos mortes perinatais que no Brasil, que tem maior poder econômico (Dados da OMS, publicados na revista Tema, fevereiro 1999). Avanços tecnológicos levam a melhorar o conhecimento de processos fisiológicos, assim como a aprimorar diagnóstico e tratamento corretos dos desvios da normalidade. A obstetrícia de hoje tem maior chance do que o resultado do nascimento seja mais seguro do que na Antigüidade. Existem evidências de que o abuso ou mau uso da tecnologia pode ser motivo de resultados perinatais menos favorecidos. Por exemplo, o controle monitorizado de um parto de baixo risco (sem patologias) aumenta significativamente a instrumentalização desnecessária (uso de drogas, fórceps, cesáreas, entre outros) desse nascimento. O abuso de cesáreas desnecessárias (sem indicação médica ou por diagnóstico errado) aumenta as complicações intra e pós-operatórias, além de ter maior complicação em partos posteriores. Aumenta a incidência de morte materna, assim como o risco de resultado perinatal inadequado (em Simpósio de Cesáreas, Campinas, 2002). Estas e outras observações similares acontecidas durante a evolução histórica dos acontecimentos mais relevantes do nascimento, estimularam-nos a realizar levantamento dos fatos, avanços e retrocessos acontecidos através do tempo, apresentados de forma resumida e amadora para que sejam imitados quando a evidência mostra benefícios, e eliminados prontamente quando não são dignos de imitar. Desta forma, pretendemos magnificar o beneficio de condutas adequadas para nossas futuras mães e recém-nascidos. Quem sabe seja esta uma das maneiras de melhorar o desempenho do nascimento, para diminuir a violência existente em nossa sociedade, resgatando as formas de nascer de sociedades antigas e menos violentas (A Anistia Internacional, através da revista ÉPOCA de outubro/2003, traz a informação de que uma pessoa morre no mundo a cada minuto, vítima da violência armada). Os fatos aqui apresentados fazem parte do curso de extensão que o Grupo de Parto Alternativo da Unicamp oferece em sistema on line a pessoas ou grupos da área da saúde. Para maiores informações, consultar o site:www.extecamp.unicamp.br/parto_alternativo Para uma apresentação ordenada, dividimos o tema seguindo a clássica separação entre Pré-história e História. Esta última em Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Como era a forma de nascer em cada um desses períodos?. 2.- Pré-Historia Como é de se supor, existem poucos documentos que certificam a forma de nascer nos períodos Paleolítico Inferior e Superior, Neolítico e Idade dos Metais. As hipóteses sobre os primeiros nascimentos, descritas pela Bíblia e outros, não serão comentadas, deixando ao leitor a liberdade de procurar suas próprias respostas desses primórdios. Limitaremo-nos a apresentar dados de trabalhos publicados de achados antropológicos, que nos ajudam a responder, ainda que em parte, a pergunta acima realizada (Muitos dos dados apresentados foram obtidos de José Jobson de A. Arruda; História Antiga e Medieval . Editora Ática - 1990 e de Victor Hugo de Melo; Evolução Histórica da Obstetrícia. Tese de Mestrado Dep. Ginec. Obst. FCM UFMG - 1983). 2.1.- Paleolítico Inferior: (Antiga idade da pedra 500.000 A 30.000 aC); Era do Gelo. Aparece o homus erectus, Neanderthal, de hábitos nômades, com habitação em cavernas, alimentação eminentemente herbívora. Descoberta do fogo. Esboço de sistema social. Acasalamento típico. Matriarcado (as mulheres pertenciam à comunidade, desconhecendo o verdadeiro pai das crianças). Por este motivo o nascimento era isolado e sem nenhum tipo de ajuda. Similar ao que acontece na atualidade em algumas tribos da África e Amazonas, no Brasil.
2.2.- Paleolítico Superior: (Quarta glaciação, 30.000 a 18.000 aC). Aparece o homus sapiens, Cromagnon, de hábitos sedentários, atirador de dardos, alimentação carnívora. Sistema social mais complexo. Inicio da linguagem, da arte (cavernas de Altamira). Acasalamento. Patriarcado (as mulheres começam a ter parceiro fixo), ritos funerários e magia. O parto começa a ser assistido por magos, familiares ou parteiras. Aparece a couvade (descanso e presentes para o pai). 2.3.- Neolítico: (Idade da Pedra - 18.000 a 5.000 aC); Diversos grupos dispersos na Turquia e Irá. Os grandes animais recuam. Domesticação de animais pequenos. Agricultura. Teares simples. Barcos. Vida urbana. Os nascimentos começaram a ser atendidos por parteira ou pelo marido
2.4.- Idade dos Metais: (5.000 a 4.000 aC); Grupos no Egito e Grécia. Trabalhos com cobre, estanho, bronze e ferro ao final. Avanços da agricultura, transporte e industria. Aparece a escrita. Vida Urbana estratificada e Rural. Estado e Religião como Instituições. Nascimentos atendidos por parteiras nas cidades e na zona rural pelo marido, que tinha experiência em atender partos nos animais. Alguns métodos alternativos para atender partos e facilitar o nascimento na posição vertical. 3.- HISTÓRIA 3.1.- ANTIGA: (4.000 aC a século V). Como acontecimento relevante, este período tem as civilizações Oriental e Grega e termina com a invasão Bárbara e a queda do Império Romano. Os nascimentos eram realizados por parteiras empíricas com a parturiente em posição vertical, apoiada em tijolos, ou mesmo no colo do marido ou de pessoas da comunidade treinadas para isto (boas de colo), em domicilio.
3.2.- MEDIEVAL: (século V a século XV). Como acontecimento relevante temos o feudalismo na Europa. Este período termina com a queda de Constantinopla (turcos) e o término da guerra dos 100 anos (Inglaterra e França). Os nascimentos eram realizados por parteiras regulamentadas, com a parturiente em posição vertical e colocada em cadeiras previamente fabricadas e em domicilio.
3.3.- MODERNA: (século XV a século XVIII). Como acontecimento relevante, temos a onda revolucionária na Europa. Este período termina com a Revolução Francesa para alguns e com o Descobrimento da América para outros. Os nascimentos eram realizados por parteiras com instrução e por médicos (sendo que a mulher atendida por homem perdia cinco virtudes: pudor, pureza, fidelidade, bom exemplo e espírito de sacrifício). Aparecem os primeiros livros de obstetrícia. As parturientes sempre em posição vertical ou de cócoras, apoiadas em bancos, tamboretes e cadeiras sofisticadas em domicílio. 3.4.- CONTEMPORÁNEA: (século XVIII até nossos dias). Neste período houve muitos acontecimentos relevantes. As várias guerras acontecidas, principalmente as mundiais, permitiram avanços tecnológicos para facilitar a morte do inimigo. Muitos destes avanços são hoje utilizados pela medicina. Os nascimentos começam a ser atendidos por médicos obstetras em Instituições denominadas de Maternidades, para diminuir as mortes ocorridas no período puerperal.
Os partos começaram a ser realizados com a mulher em posição horizontal, em cadeiras especialmente construídas (posição de litotomia).
As parteiras foram oficializadas e atendiam também na zona rural. Surgem neste período a grande ajuda da anestesia e, para evitar os efeitos secundários desta, os métodos psicoprofiláticos. Posteriormente surge a Neonatologia, para dar atenção médica ao recém-nascido. Estes avanços, como o descobrimento das transfusões sanguíneas e os antibióticos, permitiram dar maior seguridade às mulheres e aos seus filhos. Na década do 50 foram publicados na Inglaterra os primeiros resultados estatísticos dos casos de alto, médio e baixo riscos gestacionais, permitindo com isto separar as mulheres grávidas com maior chance de ter problema na hora do parto. Simultaneamente nos EEUU surgem as primeiras publicações questionando a posição horizontal para atender o parto (efeito da gravedade), confirmadas posteriormente por outros pesquisadores dentro e fora do país. Na década de 80, inspirado nas observações de Paciornick de partos nas reservas indígenas de Curitiva e de Galba Araújo, no Ceará.
Surge em Campinas o Grupo de Parto Alternativo, hoje com mais de 1.000 partos atendidos em posição de cócoras (vertical).
Em 17 de outubro de 1993 surge a "Carta de Campinas", apoiando a humanização do nascimento e formando a primeira organização não governamental do gênero, denominada Rede de Humanização do Nascimento (REHUNA), com representação atual em varias cidades do Brasil. Hoje contamos com outras instituições similares, destacando a recém-formada "Alma Mater" com sede também em Campinas. Estas Instituições, junto a portarias do Ministério da Saúde, estão lutando para diminuir o intervencionismo desnecessário nos casos de gestações de baixo risco (80% dos casos, segundo dados da OMS), permitindo com isto o resgate das formas de nascer
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